terça-feira, 2 de julho de 2013

Carta a Rebeca

Texto da autoria de Pedro Casarim. Tomei a liberdade de postar aqui, mesmo sem o conhecimento do autor (por enquanto). Espero que os mais de dez anos de amizade influenciem no momento que resolver julgar-me com base na minha atitude precipitada.

Visitem: http://sobreclaudiaborges.blogspot.com.br/

---

Rio de Janeiro, 25 de Junho de 2013

Rebecca,

São quatro pras seis da manhã e já ouço o ensaio de bom dia dos pássaros. Você está dormindo agora? Se criou juízo certamente está mas eu continuo o mesmo: vagabundo -- no melhor (ou não) sentido da palavra --, por isso te escrevo à essa hora. É melhor mesmo que esteja dançando em fantasias surreais, beijando pássaros, voando sobre Paris, ouvindo as nítidas palavras de um velho sábio num parque. Ou então até correndo de monstros ou coisa que o valha em seus delírios oníricos com assinatura de Poe. Não sei ao certo o porquê de estar te escrevendo. Apenas sinto que temos um laço que me faz ter que te contar em palavras o que penso ou o que sinto.

É tênue a linha que separa a paixão da amizade. Não vou falar em amor pois é uma palavra além de muito usada, muito forte e complexa. O que é a paixão além de uma amizade com laços corpóreos? Quais são as fronteiras que discernem amigos de amantes? Pode haver amor numa simples e sincera amizade e não existir um resquício sequer dele em um relacionamento à dois. O que é o casamento senão um pedaço de papel com registro em cartório e alianças nos dedos anelares? Namoro, noivado, casamento: os termos são indiferentes, não somos donos de ninguém. Não podemos atribuir sentimento de posse sobre uma pessoa, de modo que ela não nos pertence assim como nós não a pertencemos. O fato de sermos seres-humanos já nos torna irremediavelmente sós e independentes. Somos livres. 

Tenho que confessar: ainda é um pouco estranho pra mim nossa relação atual de amigos, visto que há pouco tempo atrás compartilhávamos de profunda intimidade e carinho. Não vou dizer que os sentimentos que tinha por você se esvaíram por completo mas que, de fato, diminuíram de intensidade: o ciúme, o zelo, o afeto. O de posse se foi completamente, tenho a compreensão de que não somos mais um casal. Mas, pensando até adiante, -- esse seria um passo a dar rumo ao progresso como ser-humano -- almejo desvincular da paixão a certeza da exclusividade. Meus sentimentos agora apenas tornaram-se leves e sem nenhum interesse secundário. Digo isso porque ainda sinto uma forte intimidade com você e por isso posso dizer que somos amigos, no sentido mais genuíno e puro dele. Também não posso negar que ainda sinto atração física por você, ainda te observo muito bela; e creio que isso não mudará.

Lembro com carinho nossas recordações que por vezes tomam de assalto minha imaginação: desde nossos momentos mais prosaicos aos mais íntimos. Com isso vejo que você foi uma bela parte da minha vida, e com certeza, -- no posto de primeiro amor -- terá um lugar guardado dentro de mim.

Bem, como você pode notar, estou utilizando de uma linguagem um pouco mais branda, não tão direta e explícita como costumo fazer. Acho que assim soa mais romântico e respeitoso, afinal agora não compartilhamos mais sussurros de volúpia. É um exercício, inclusive, para minha própria escrita. Será? -- posso estar fazendo uma grande burrada, mas vai saber... E nesse gancho aproveito pra propor um trato: por que não nos falemos por carta, à moda antiga? Pode parecer coisa de casal apaixonado água-com-açúcar mas assim acho melhor -- estou tentando otimizar meu tempo, com isso quero dizer abdicar das horas desperdiçadas na internet. Prefiro o contato presencial, ainda que menos confortável que o virtual, porém mais sincero. E você sabe, odeio rede social e afins. Além disso, estou exercitando a melhor qualidade de um escritor: a solidão.

Que nos esbarremos em alguma esquina de nossas vidas e continuemos trocando pedaços de psique um com o outro. Podemos nos corresponder quinzenalmente, que tal? -- ainda mais com a rotina que terei logo em breve de trabalho/faculdade: com certeza perderei toda a vida social que já não possuo.

Antigamente tinha a citação do filme como absoluta: "Le temps détruit tout." Mas percebi que ao mesmo tempo que destrói, ele também constrói outras coisas; ele cura -- nisso você estava certa. No mais, no menos, era isso que queria dizer. Não quero te "perder" porque, por incrível que pareça, você ainda é a pessoa com quem mais falo. No caso de novas histórias ou aforismos você saberá, não deixarei passar um detalhe. E não se esqueça do meu blog, talvez surja um escritor de verdade dali.

P.S.: Finalmente parei de fumar.


Meus beijos e abraços e fica bem,
Pedro Casarim

Nenhum comentário:

Postar um comentário