quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Palíndromo

Subi no ônibus,
eu notavelmente tão notório quanto um palíndromo.
Atravessei a catraca, pesados passos furtivos; meio sonâmbulo.
Sentei-me. Aconcheguei-me. Ênclisei-me, do verbo: o que estou fazendo aqui?
Admirava a triste paisagem urbana, conforme o motor esquentava, pneu cantava, o cobrador falava, motorista xingava e eu morria, lentamente, acabando com a sonoridade (des)agradável(?) da minha vida.
Rir, o breve verbo rir. Rindo e sorrindo e rindo e sorrindo, ela entrou, mas não era um palíndromo.
Agraciava, divertia a atmosfera. Era diferente. Cativante? Talvez, não sei. Ou sei e não quero assumir? Não sei.
Ou sei?
Da esquerda para a direita, da direita para a esquerda; inovadora em todos os aspectos. Tão simples.
Ainda assim tão... Apreciável. Palpável. Embora isso não soe tão amável.
É! Amável...
E de tantos assentos disponíveis, decidiu se recolher do meu lado. Estranho, ninguém faz isso, a menos que forçado pelo cansaço. Mas então ela sorria. E ria. Me divertia. Cansada, sonolenta, mas divertia, ria e sorria.
"Bom dia!" disse, respondendo a minha dúvida.
"Bom dia..." repliquei com voz de penumbra.
Calou-se. Calei-me. Pensava se queria assunto. Acho que não queria, mas e quanto a ela? Não parecia dar indícios. O bom senso apitou, a educação de casa aflorou. Após fúnebre e ensolarado minuto, perguntei:
"Tudo bem?"
"Tudo, e você?"
"Tudo, graças a Deus."
Então ela me respondeu. Queria conversar, ou talvez estivesse apenas sendo educada. Nem sabia o nome dela. Mas conversamos mesmo assim. Talvez uma premonição para um dia feliz?
A quem eu quero enganar?
Desceu comigo, subiu as escadas comigo, seguia o caminho comigo. Ainda conversava comigo. Passou pela porta, daí se afastou para seguir sua vida. Continuava sendo levemente cativante, mesmo de longe.
A quem eu quero enganar?
"A diva ávida, dàdiva à vida", como já se dizia. Vida.
Resolvi-me voltar-me para minhas ênclises. Mas por que não mesóclises? Talvez eu ainda viva de passado.
Resolvi voltar ao meu palíndromo: vida.

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