quinta-feira, 13 de junho de 2013

Sentimental

Acho que esse é um dos meus textos aleatórios favoritos. Primeiramente porque não é bem uma crônica. Tudo é focado mais nos diálogos rápidos e, de certo modo, simples. E particularmente porque eu nunca soube bem como interpretar essa música. Fiz isso mais em um momento de inspiração, mas nunca estive bem certo do que essa composição possa querer dizer. Posso estar certo, posso estar errado.

Enfim...

***







            Era mais cedo do que o comum quando resolveu ir para a cama. O relógio não marcava nem 22h, mas ali estava ele, deitado sob as cobertas, protegendo-se de algo muito além do que o frio. E embora demonstrasse uma expressão cansada, seus olhos estavam abertos. Olhava para o teto, mas a mente estava indo muito além do que gostaria. Não era sua vontade pensar no assunto, mas de qualquer modo, o luxo de poder querer ou não alguma coisa já estava fora de seu alcance, ao menos se tratando dos próprios sentimentos.
            Tudo no que podia refletir era sobre o dia que tivera. As conversas, os conselhos, as lições. E obviamente aquilo o fazia rever memórias de um passado recente. O rapaz se moveu na cama, a procura de uma posição que fizesse com que o sono se adiantasse. Mas ele sabia que isso não aconteceria, e lhe restaria apenas companhia dos seus pensamentos.
            Lá estava ele novamente. Aproximadamente oito horas da manhã, ele na sala de aula de sua universidade. O professor falava continuamente e ele não estava no humor para aquilo. Era uma triste segunda-feira e o consciente ainda estava fresco com os ocorridos do final de semana anterior. Era tudo tão forte ainda, tão bem gravado em suas lembranças mórbidas. Rabiscava de modo frenético a folha do caderno, desenhando algo abstrato. Uma aglomeração de traços perdidos, sem foco, sem objetivo. Do modo como ele se sentia. De modo automático, sua atenção se voltou para a jovem loira algumas cadeiras mais a frente. Ela fazia perguntas ao professor com frequência e isso sempre fazia com que os olhos dele se voltassem na direção da moça. Tão inteligente quanto bonita. Apaixonante, de fato.

           – Tão difícil assim deixar de ficar reparando nela?
            Então percebeu que um amigo falava com ele. Desorientado, virou o rosto na direção de onde ouviu a voz. E então despertou.
                – Por que não volta com ela?
                – Não rola.
                – Por que não? Ela te ama. Amava, talvez. Você a amava. Ainda ama, talvez.
                – Não sei. Não é para mim. É tudo muito errado com ela.
                – Por quê? Talvez você esteja sendo o errado nessa situação.
                – Não, não... Ela é muito... Sentimental para mim. Não consigo me adequar ao estilo dela, sabe? Eu soube desde o início que não ia dar certo...
                – Mais sentimental que você?
Ele parou por um momento, disposto a pensar sobre a pergunta. Tentou sorrir.
                – Existe alguém mais sentimental do que eu?
O amigo retribuiu o sorriso. Não era hora pra ficarem conversando. Não era a situação e nem a pessoa certa para insistir em um diálogo.

                Ainda na cama, mais lembranças surgiram. Aproximadamente vinte e quatro horas antes, quando estava em casa, tentando não se afundar em mágoas. A noite estava triste, como se o tempo estivesse se curvando para a situação dele. Estava sofrendo, embora insistisse em não demonstrar esse lado emocional de si mesmo. Observou a irmã sentar-se no sofá, junto a ele, naquela noite de domingo. Falaram do fato trágico que ocorrera na última sexta a noite. Uma noite como aquela.

                – Está arrependido, não é?
                – Nunca vou me arrepender do que fiz. Era a coisa certa. Ela não era pra mim. Muito...
                – Sentimental?
                – Complicada.
                A irmã ponderou a escolha de palavras do irmão. Era capaz de notar facilmente o semblante de tristeza que ele tentava não esconder.
                – Não entende, não é?
                – Nunca entendi nada. O que eu não entendo?
                – Ela não é complicada, você que é ignorante. Ela te ama e você responde a esse sentimento. Ela apenas demonstra isso de um modo diferente de você.
                – Diferente como?
                – Eu não sei. Mas é uma moça inteligente. Ela não vai querer que isso se torne algo fácil pra ti, afinal, tem que provar que é um indivíduo diferente. Mas você parece ter falhado no teste.
                – Entendo que ela não queira qualquer um. Mas precisa ser tão...
                – Complicada?
               
Sentimental...

                – É.
                – Pense bem. Você acha que se interessaria tanto por ela se fosse completamente aberta e falasse livremente? O que o fez se apegar a ela? Não foi o modo enigmático como sempre lhe tratou?
                – Talvez, nunca pensei muito nisso.
                – Você simplesmente não pensa. A verdade é que já a teria rejeitado há muito tempo, se ela fosse tão simples. Se fosse apenas mais uma.
                – Talvez...
                – Você só fala "talvez". Talvez devesse conversar com ela e não desistir na primeira tentativa. Não pode ser tão difícil.
                – Pois é. Na verdade, em comparação a ela, isso não deve doer tanto em mim. Não me importo de sofrer um pouco mais, sabendo que ela deve estar pior... Seria no mínimo justo eu passar pelo o mesmo que ela.
                – Sim. Ela é mais sentimental que você.


Se mexeu sobre o colchão mais uma vez. Sentiu um pouco de peso nas pálpebras. Pensar sobre aquilo lhe causava um cansaço enorme. A cada segundo em que apenas lembrava algo, era um passo para aquele abismo de sentimentos. Não sabia mais o que fazer, além de impedir que a tristeza o abatesse e tentar dormir. Sem sentimentos, sem dor.

                Fechou os olhos e morreu para o mundo.

                A mente ainda funcionava. O subconsciente guardava o que ele verdadeiramente sentia. Sonhou. Sonhou com ela em seus braços, como na primeira vez em que soube que a amava.  Como ainda ama. Tudo estava presente em sonhos. O rosto animado dela, o cheiro do perfume, o abraço confortável e um beijo único. A voz sedutora dela.

                – Eu quero você só pra mim. Tudo bem?

                Ele riu com o que ela lhe dissera.

                – Tudo bem.
                – A única condição é essa. Você pra mim, certo?
                – Sabe que não é bem assim...
                – É, eu sei. Mas eu posso fingir. Até mesmo rir disso. Nunca se sentiu desse modo?
                – Nunca. E você? Já? Em outra ocasião?
                – Talvez.
                – Você só fala "talvez".

                Ela sorriu, com a cabeça encostada no peito dele.

                – Tudo bem. Sempre fui mais sentimental do que você. Mas quem sabe um dia você não entende?

                E ele entendia. Demorou a perceber isso, mas sim, compreendia. Mesmo em sonhos, tomou conhecimento disso. Queria ela só pra ele, mesmo sabendo que isso não funciona do jeito que os dois gostariam. Que ele gostaria. Afinal, ninguém era mais sentimental do que ele.

                Talvez ela fosse. Mas agora já não estava mais ao seu alcance. Embora ele ainda a quisesse só para ela.

                Mas a aquela altura, com as escolhas já feitas, só lhe restava pensar sobre aquilo e chorar. Ou fingir.

E rir.

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