quarta-feira, 5 de junho de 2013

Time Flies



Atravessou a sala ao instante em que se transformava em uma mera silhueta. A única luz presente era a do pôr-do-sol, permitindo que aquele cenário fosse apenas o alaranjado e o negro que marcam o final de um dia vazio. Em passos calmos, sem a menor intenção de ter pressa, ele arrastava de leve os dedos por seus LP’s do The Beatles e do grande Jimi Hendrix, entre outros artistas que lhe marcaram em algum ponto da vida. Cantarolou a primeira música do Sgt. Pepper que veio em mente, enquanto continuava seu trajeto para o passado. Abriu a porta que dava para a varanda do prédio. Observou a correria das crianças e permitiu que os gritos animados lhe alcançassem a alma. Um longo suspiro.

            Notou sua companheira sentada em uma cadeira, relaxada, com um cigarro preso entre os dedos e uma xícara de café em uma pequena mesa de vidro, própria para isso. Ela admirava o infinito. Ele se sentou, cruzou as pernas e permaneceu ali, observando tudo o que se passava ao seu redor.  Sentiu a brisa que acariciava de modo sutil a sua pele velha. Ajeitou os óculos e mais uma vez suspirou. E então pensava. Refletia. Viajava com sua mente. Regressou aos tempos em que também poderia correr e gritar como se não houvesse amanhã. Lembrou-se de quando a conheceu e quando possuía forças o suficiente para caminhar por todos os lados; energia mais do que necessária para executar suas provas de amor e trabalhar para sustentar aquele casamento.

            Não se arrependia de nada que havia feito. Ela sempre fora sua mentora e nunca o guiou por caminhos tenebrosos. Sempre estiveram lado a lado, andando em direção a aquela enorme estrela amarela que desaparecia, dando espaço para a lua. Outro longo e profundo suspiro. Pelo canto do olho, de modo tímido, observou-a tomar um gole do café e, logo em seguida, dar uma tragada em seu cigarro. Ela repousou a cabeça na cadeira. Continuava tão linda quanto no dia em que a conhecera. Era assustador como havia mudado tanto com os anos, mas o rosto insistia em guardar traços que lhe davam a sensação de que nenhum tempo tivesse a afetado. E os vícios dela, por mais que ele não apoiasse, nunca foram motivos para tirar o brilho que surgia em seus olhos ao olhá-la.

            Ele achava até cômico as respostas rápidas que ela lhe dava. Habituou-se a aquilo. “Como consegue fumar tanto?”, ele perguntava. Ela apenas sorria do jeito que ele sempre gostou. Então balançava a cabeça de um modo alucinado e divertido. E rindo, lhe respondia: “O tempo voa, meu querido. Algumas coisas chegam a nossas vidas, outras partem; algumas delas agradáveis e outras nem tanto... E tudo o que nos resta é percebermos que realmente estamos avançando. O tempo voa, meu amor. E é hora de aceitarmos tudo o que recebemos, sejam coisas boas ou ruins. O tempo voa, meu bom homem. E com ele, nós voamos juntos. Então por que não apenas aceitar os meus defeitos?”

            O velho nunca compreendeu o que ela queria dizer com aquelas palavras. Apenas se perdia no jeito carinhoso como ela sorria após as palavras, e voltava a fumar. E podia ver aquilo de novo. Mas então, ele finalmente compreendeu. Compreendeu que o tempo ia e REALMENTE não voltava mais. Em parte era triste, mas enfim, num determinado momento de sua vida, soube totalmente o significado daquilo. Tirou um maço de cigarros do bolso, pegou um e o acendeu. Não o fumou, apenas estudava cada detalhe do objeto. Nunca aquilo se passou por sua mente, nem nos momentos sombrios. Ainda cantarolando e com um sorriso enrugado no rosto, pôs-se a fumar. A mulher já não estava mais sentada ao lado dele. Não em um plano físico.


Apenas na visão dele. No coração dele. Uma fumaça ascendeu ao céu, e nas nuvens, pôde ver o rosto dela. E o vento lhe assobiou sua risada. E sozinho, pensou “o tempo voa, meu amor”.

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